Qual deveria ser a relação entre evangelismo e ação social no contexto de nossa responsabilidade cristã total?
Se admitirmos que não temos liberdade nem para focalizar na evangelização a ponto de excluir o cuidado social, nem para tornar o ativismo social um substituto do evangelismo, precisaremos definir a relação entre os dois.
Um modo de explicar a relação entre evangelismo e ação social, que creio ser a forma verdadeiramente cristã, ou seja, que a ação social é uma parceira do evangelismo. Como parceiros, os dois se completam, mas são, mesmo assim, independentes entre si. Lado a lado, cada um se sustenta por si e possui sua própria autonomia. Nenhum deles é um meio para o outro, ou mesmo uma manifestação do outro, pois cada um é um fim em si mesmo. Ambos são expressões de amor genuíno.
O apóstolo João me ajudou a compreender isso com as palavras de sua primeira carta: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (1Jo 3.17-18). Aqui o amor em ação emerge de uma situação com dois momentos. Primeiro, “ver” um irmão passando necessidade e segundo, “possuir” os meios para satisfazer essas necessidades. Se eu não relacionar o que “tenho” ao que “vejo”, não posso afirmar que o amor de Deus habita em mim. Além do mais, esse princípio se aplica a qualquer tipo de necessidade vista. Posso ver uma necessidade espiritual (pecado, culpa, perdição) e ter o conhecimento do evangelho que satisfará essa necessidade. Ou a necessidade que vejo pode ser uma enfermidade, a ignorância ou uma moradia precária e posso ter o conhecimento médico, educacional ou social para aliviar a situação. Ver a necessidade e possuir o recurso impele o amor a agir, e a ação será evangelística, social ou até mesmo política dependendo do que “vemos” e do que “temos”.
Não significa que palavras e atitudes, evangelismo e ação social, são parceiros tão inseparáveis que todos nós devamos nos engajar em ambos o tempo todo. As situações variam, e o chamado dos cristãos também. Com respeito às situações, haverá momentos em que o destino eterno da pessoa é a consideração mais urgente, pois não devemos nos esquecer que os homens sem Cristo estão perecendo. Porém, certamente haverá outras vezes em que a necessidade material da pessoa será tão premente que ela não será capaz de ouvir o evangelho se o compartilharmos com ela. O homem que caiu entre os salteadores precisava, acima de tudo, naquele momento, de remédios e curativos para suas feridas, não de folhetos evangelísticos nos bolsos! Semelhantemente, nas palavras de um missionário em Nairóbi, citado pelo bispo John Taylor, “um homem faminto não tem ouvidos”.19 Se o nosso inimigo estiver faminto, nosso mandato bíblico não é evangelizá-lo, mas alimentá-lo (Rm 12.20)! E existe ainda a diversidade de chamados cristãos, e todo cristão deve ser fiel ao seu próprio chamado. O médico não deve negligenciar a prática da medicina para evangelizar, nem o evangelista deve se distrair do ministério da palavra para ministrar às mesas, como os apóstolos logo descobriram (At 6).
- Trecho publicado originalmente em A Missão Cristã no Mundo Moderno, de John Stott (Editora Ultimato).