Missionários na África em vídeo relatam a realidade e pedem oração.
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MATÉRIA DO G1: 35% dos países da África têm mortes por Covid-19; especialistas alertam para possível 'hecatombe'
Dos 54 países no continente africano, 19 registraram mortes até 30 de março, segundo dados reportados à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Dezenove dos 54 países do continente africano registraram ao menos uma morte por Covid-19 até esta segunda-feira (30). Em outros 35 países, houve registro de casos da doença, mas sem mortes reportadas à Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo os dados mais recentes da entidade. Os levantamentos ainda apontam que os outros 8 países não registraram casos da doença.
Em um continente com cerca de 1,3 bilhão de pessoas, há 137 mortes, que representam 0,4% do total das vítimas de Covid-19 no mundo. Mas os números não significam que o cenário africano seja favorável.
No sábado (28), o ginecologista congolês Denis Mukwege, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2018, disse em entrevista ao jornal francês "Le Monde" que é preciso agir rápido para evitar uma "hecatombe" pela doença. A palavra, usada de forma figurada, significa "uma grande perda de vidas".
"Nós sensibilizamos a população à noção de distanciamento social. Um comitê de resposta foi criado. As províncias também estão se organizando, e células de crise estão sendo criadas em todos os lugares. É preciso agir rápido se quisermos evitar uma hecatombe", disse, referindo-se às medidas adotadas em seu país natal, a República Democrática do Congo. Até o dia 30, o país tinha 8 mortes por Covid-19 reportadas à OMS.
O epidemiologista Paulo Andrade Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP, usa a mesma palavra que Mukwege para descrever a possível situação do continente africano quando os casos de Covid-19 aumentarem.
"Quando aquilo aparecer, vai ser uma hecatombe. As condições de atendimento lá são mais do que precárias", avalia Lotufo.
Para Mukwege, a África "claramente não tem meios de enfrentar a praga" da Covid-19. "Alguns países são mais afetados que outros, notadamente a África do Sul, com mais de 400 casos, Argélia, com 230 casos, Marrocos, com 143 casos, Senegal, com 79 casos. A doença está, portanto, progredindo extremamente rápido e estou muito preocupado", declarou o médico congolês.
Desde a entrevista de Mukwege ao Le Monde, o número de casos na África do Sul, o país africano mais atingido, subiu para 1.326; na Argélia, para 584; no Marrocos, para 556; e para 162 no Senegal até a noite de segunda-feira (30), de acordo com monitoramento da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, que atualiza os dados em tempo real.
"A África do Sul, Joanesburgo, tem um hospital, que é o maior, e, se eu achava que o pronto-socorro brasileiro era lotado, eu descobri que não é, perto do que é aquilo", relata Paulo Lotufo. "E não são [hospitais] descentralizados, são vários hospitais grandes, a chance de contaminação é grande. A África do Sul torna o Brasil um exemplo de igualdade social", afirma o epidemiologista.
No dia 15, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, declarou a Covid-19 um "desastre nacional". O país adotou uma série de medidas para conter o vírus, incluindo o fechamento de escolas, restrições a viagens e proibições de aglomerações. Até o dia 30, uma morte havia sido registrada no território sul-africano pela doença.
Mas as restrições também adotadas em vários outros países africanos – inclusive em alguns que nem registraram casos, como Serra Leoa e Malaui –, se tornam difíceis em lugares com pouca infraestrutura. Moçambique, por exemplo, ainda se recupera do ciclone Idai, um ano depois. Outro fator pode agravar a situação africana é a alta incidência de outras doenças infecciosas, como tuberculose e HIV.
"A sorte da África é que, economicamente, eles não têm muito contato, em termos de trocas, [então] o contágio ficou bem menor", pondera Lotufo. Até 30 de março, o continente concentrava, oficialmente, 0,67% dos casos da pandemia.
Precariedade e subnotificação
De acordo com a OMS, os países da região africana estão capacitados para realizar testes para a Covid-19. Mas não há detalhes sobre a quantidade de testes disponíveis.
Também no sábado (28), o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse em entrevista à agência RFI que teme milhões de casos de Covid-19 no continente africano.
"A África tem necessidade urgente de kits, máscaras, ventiladores [mecânicos], equipamentos de proteção para profissionais de saúde", alertou. "Ainda podemos evitar o pior na África, mas, sem uma mobilização massiva, teremos milhões e milhões de pessoas contaminadas, o que significa milhões de mortes", alertou.
Guterres também acrescentou que a população jovem africana também não seria poupada - segundo a revista científica "Science", a idade média na África subsaariana é de menos de 20 anos de idade. Além disso, apenas 3% das pessoas naquela região têm mais de 65 anos – comparada a 23% na Itália, por exemplo, país com a maior quantidade de mortes pela Covid-19. Até agora, pesquisas têm indicado que a doença atinge os mais velhos de forma mais severa.
A Covid-19 demorou certo tempo para se espalhar em todas as regiões da África. O primeiro caso foi registrado no Egito, no norte, em 15 de fevereiro. Na África do Sul, o primeiro caso foi registrado somente no dia 6 de março. Outros países, como Guiné-Bissau e Mali, só reportaram o primeiro caso à OMS no dia 26.
Esse fator, explica Lotufo, também contribui para que os países africanos ainda tenham um baixo número de mortes comparada com o tamanho da população.
“Lugares que têm casos há mais tempo têm pessoas mais doentes, mais hospitalizadas, em estado grave, que vão ter ‘tempo de morrer’. Considerando o tempo de incubação, de 7 a 10 dias, que a pessoa vai pro hospital, fica um tempo internada na enfermaria, vai para a UTI – é um tempo prolongado, de 15 a 20 dias. Isso não é novidade, a gente já viu em outras equações”, afirma.
22 de março: Agente público desinfecta globo contra a Covid-19 em jardim público em Algiers, na Argélia. — Foto: Ramzi Boudina/Reuters22 de março: Agente público desinfecta globo contra a Covid-19 em jardim público em Algiers, na Argélia. — Foto: Ramzi Boudina/Reuters
22 de março: Agente público desinfecta globo contra a Covid-19 em jardim público em Algiers, na Argélia. — Foto: Ramzi Boudina/Reuters
O epidemiologista também explica que, de uma forma geral, só será possível saber a quantidade de mortes por Covid-19 na África e no resto do mundo daqui a um tempo.
"Há uma enorme chance – e isso eu falo da Finlândia até a Nigéria – de ter subnotificação de óbitos no mundo inteiro", lembra Lotufo.
"Vão tendo outros casos de Covid-19 que estão com outro diagnóstico: um que já estava velhinho, infartou, teve AVC, aí você vai ver e foi Covid. Quem está na linha de frente – a OMS, as secretarias, o Ministério da Saúde – está fazendo o melhor possível nessa situação. Hoje, não temos por que discutir isso. Somente daqui a um, dois anos, a gente vai ver qual é o real impacto, ao olhar a curva histórica e ver se houve um aumento da mortalidade geral [no mundo]", explica.